Características de Grande Escala Associadas a Eventos Extremos na Serra do Mar
Os sistemas meteorológicos de escala sinótica (» 1000 km) que atuam sobre a região da Serra do mar do Estado de São Paulo são relativamente bem conhecidos (Satyamurty et al. 1998). Estes sistemas sinóticos podem intensificar ou inibir nuvens convectivas, elevar ou diminuir a temperatura e causar diversos fenômenos meteorológicos que afetam a vida da região. Sabe-se que, em geral, altas subtropicais, centros extratropicais migratórios de alta pressão e cristas apresentam “bom tempo” em termos de nebulosidade e chuva. Enquanto, centros de baixa pressão, cavados, frentes, correntes de jato e Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) apresentam tempo ativo em termos de atividade convectiva e tendência térmica.

As circulações locais da região da Serra do Mar são controladas, principalmente, pelas características da superfície (tipo de vegetação e/ou cultura) e da topografia. Os sistemas de circulação atmosférica da escala sinótica e de escala planetária (» 5000 km) interagem com as circulações locais, com as condições da superfície da região da Serra do Mar e com a superfície do oceano adjacente e produzem os efeitos meteorológicos peculiares da região. A intensidade e a duração dos sistemas sinóticos são moduladas pelas condições oceânicas, principalmente pelas temperaturas da superfície do mar (TSM) no Atlântico Sul Oeste. Uma vez que as características da superfície, tanto no mar quanto no continente, variam lentamente em relação à periodicidade dos sistemas sinóticos (» 5 dias) sobre a região da Serra do mar, a precipitação e outras variáveis meteorológicas são controladas, em grande parte, pelas condições sinóticas. Portanto, para aumentar o grau de acerto das previsões meteorológicas, é importante identificar as condições de escala planetária (» 5000 km) e da escala sinótica (» 1000 km) que modulam a atividade convectiva e a variabilidade térmica desta região.

Dois fenômenos meteorológicos associados a sistemas de alta taxa de chuvas são especialmente importantes para a região. O presente estudo é enfocado para melhorar o entendimento da física e dinâmica destes. Um dos fenômenos é chuva intensa e prolongada que freqüentemente ocorre no verão e normalmente está associada à ZCAS. A formação deste sistema meteorológico é observado, em média, duas a três vezes por ano (Satyamurty et al., 1988). As precipitações intensas e moderadas associadas a ZCAS podem durar 3 a 10 dias, causando enchentes, inundações, deslizamentos de terra e perdas de vidas humanas. Para ter uma idéia da extensão dos prejuízos, basta relembrar que nos primeiros dias do ano 2000 chuvas fortes no Vale de Paraíba, Rio de Janeiro e Sul de Minas causaram deslizamento de terra, morte de aproximadamente 40 pessoas e deixaram milhares de pessoas desabrigadas. A cidade de Campos do Jordão no Estado de São Paulo e várias outras no sul de Minas decretaram calamidade pública. Mais recentemente, em janeiro deste ano (2004), morreram mais de 50 pessoas nos estados de Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. As chuvas estavam previstas, entretanto, a intensidade não. A interação entre frente e topografia é bastante explorada por Egger e Hoinka (1992). A previsão de chuva durante a passagem de uma frente fria ou passagem de um outro sistema sinótico é possível com os recursos e conhecimentos disponíveis hoje, entretanto a distinção entre uma frente fria que produz chuva moderada e aquela que culmina em temporal, causador de desabamento de moradias, deslizamento de terra, bloqueio de estradas, etc., não é clara.

O segundo fenômeno são as chuvas de duração mais curta do que aquelas produzidas pela ZCAS, mas de alta intensidade. Estas chuvas podem se originar de células convectivas e de linhas de instabilidade. O grande desenvolvimento destas nuvens convectivas tem seu ambiente controlado pela grande escala. O ciclo de vida de uma nuvem convectiva é de aproximadamente 30 minutos, entretanto, em presença de um jato em altos níveis, configura-se o cisalhamento do vento que é um dos mecanismos para manutenção de sistemas convectivos mais duradouros. Os mecanismos de grande escala que auxiliam na manutenção ou pouco deslocamento destes sistemas serão investigados.

5.1 Objetivos
Estudar as condições atmosféricas de grande escala (extensão horizontal 1000 km, escala temporal > 1 dia) associadas aos eventos extremos meteorológicos sobre a Serra do Mar. Especificamente, identificar as características e processos de escala planetária e escala sinótica responsáveis pelos eventos extremos de chuvas fortes na região da Serra do Mar.
O entendimento detalhado da dinâmica da escala planetária e da escala sinótica associada aos eventos extremos permitirá introduzir melhorias nos modelos numéricos de previsão do tempo.


5.2 Metodologia
Os dados de precipitação diários da Agência Nacional de Águas (ANA) serão analisados para identificar episódios de chuvas fortes extremos, usando critérios semelhantes do Harnack et al. (1999) e Teixeira e Satyamurty (2004). Os eventos serão categorizados de acordo com o sistema de grande escala predominante, por exemplo, passagem de frente fria, cavado ou vórtice em altos níveis, ZCAS, etc., examinando registros da revista Climanálise e, quando necessário, as imagens de satélite no canal infravermelho (IR) proveniente do satélite geoestacionário GOES-8 disponíveis no CPTEC. Os casos extremos serão verificados com a ajuda do cadastro de eventos críticos da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e do Ministério de Meio Ambiente do Brasil. Também será utilizado o Banco de Dados Meteorológicos (BDM) do CPTEC para o período de 1996 a 2003 para confirmação dos casos.

Os dados de reanálise do National Centers for Environmental Prediction (NCEP) com a freqüência de 6 em 6 horas, os dados de TSM diários provenientes do NCEP e as imagens de satélite no canal IR serão usados para determinar a estrutura e a dinâmica dos sistemas meteorológicos de escala sinótica associadas aos eventos e as condições da superfície do mar no Atlântico Sul. Os dados da reanálise permitirão estudar o escoamento em vários níveis da atmosfera e os perfis termodinâmicos. Serão obtidas os seguintes campos derivados: vorticidade (z) e divergência (D) em baixos (850 e/ou 925 hPa) e altos níveis (300 ou 200 hPa), função frontogenética (F) em baixos níveis, movimento vertical (w) na média troposfera (500 hPa), convergência do fluxo de umidade (CH) na baixa troposfera, e outras variáveis que possam caracterizar a situação sinótica e sua evolução dinâmica (Holton, 1992; Bluestein, 1993). As expressões usadas para os cálculos das quantidades derivadas estão apresentadas na próxima seção.

A definição do evento de chuva intensa e prolongada deve se basear nas precipitações observadas, e não nos parâmetros como radiação de onda longa ou temperatura do brilho proveniente das imagens de satélite. Isso se deve ao fato de que, ainda, os métodos indiretos e remotos não conseguem representar satisfatoriamente as precipitações observadas. Sabemos que os dados disponibilizados pela ANA não captam todos os eventos, outras fontes de dados serão buscadas para selecionar os eventos

Os estudos de Figueroa et al. (1995) mostram que a formação e manutenção de ZCAS estão relacionadas com a atividade convectiva sobre a região Amazônica, a alta da Bolívia e a baixa de altos níveis sobre a Região Nordeste. Mesmo assim, a questão da formação e manutenção de ZCAS não está totalmente esclarecida. Por exemplo, de que forma a ZCAS induz a aproximação de frentes frias vindas do Sul? O que controla o lento e pequeno deslocamento para norte e sul das frentes? Como se realiza a interação entre a circulação de ZCAS e a circulação local (vale-montanha, brisa marítima etc.)? A ZCAS é caracterizada essencialmente pela convergência em baixos níveis e divergência em altos níveis, persistindo por alguns dias a uma semana. Também se observa vorticidade ciclônica em baixos níveis e anticiclônica na alta troposfera sobre a região de ZCAS. A manutenção da vorticidade será estudada através da equação de vorticidade. A persistente e forte precipitação do evento extremo de chuva será estudada através da equação de balanço de água. Veja as equações na próxima seção. Alguma das questões acima serão respondidas através de simulações numéricas em alta resolução em conjunto com o subprojeto 1.

Os campos meteorológicos e os parâmetros derivados para 1, 2, ...., N dias antes de um evento extremo devem mostrar a evolução do evento. Todavia, os campos compostos de um número representativo de eventos devem revelar uma assinatura média da evolução de evento. Portanto, objetiva-se obter compostos dos casos de chuvas fortes extremos sobre a região da Serra do Mar identificados durante o período de estudo. Os compostos serão obtidos como média simples dos eventos, respeitando o dia que antecede ou sucede o evento. Por exemplo, composto da altura geopotencial em 500 hPa para um dia antes do evento é o campo médio de todos os casos da altura geopotencial do dia que precedeu aos eventos.

A partir dos compostos pretende-se construir modelos conceituais da evolução dos dois tipos de fenômenos de tempo severo que ocorrem sobre a região da Serra do Mar.

A análise de clusters (Kalkstein et al., 1987) será empregada para identificar os padrões de circulação de grande escala que configuram os eventos extremos de chuva na região. Situações de ZCAS serão analisados por esta técnica para identificar o ingrediente importante na intensificação sobre a região da Serra do Mar. Da mesma forma os eventos de chuvas convectivas intensas de menor duração que a ZCAS, analisados visando buscar o mecanismo de instabilidade.

A análise de clusters de baseia em comparar vários campos com relação a um campo de referência formando grupos de padrões distintos. Pretende-se escolher uma variável que tenha um papel intermediário entre a superfície e a circulação de grande escala. Inicialmente serão testadas variáveis relacionadas com a temperatura a 850 hPa e 700 hPa e também do jato em baixos níveis, 850 e 700 hPa e em altos níveis (400 e 300 hPa).

5.2.1 Equações e Diagnósticos
(a) Vorticidade e divergência são dadas, respectivamente, por:
z = (v/x - u/y);   d  = (u/x + v/y),                                                       (1)
onde u e v são componentes zonal e meridional do vento.


 
(b) Convergência de fluxo de umidade é obtida por:
CH = - Ñ(qV) = - u(q/x)- v(q/y) – qd,                                                         (2)
onde q é umidade específica.


(c) Função frontogenética é dada por:
F = (1/2) |ÑpT|[D cos(2b) - d],                                                                                (3)
onde T é a temperatura do ar e  D é a deformação do escoamento resultante após a rotação de coordenadas x, y de tal maneira que a nova abscissa x¢ coincida com o eixo de dilatação.  b é o ângulo entre o eixo de dilatação e as isotermas.  Em prática D é obtida da seguinte maneira:

|D| = (D12 + D22)1/2,
onde

D1 = (u/x - v/y)  and   D2 = (u/y + v/x).
O ângulo da rotação antihorária necessária para o eixo de dilatação coincidir com a nova abscissa é dado por:

a = (1/2) arctg(D2/D1). 

O ângulo b é dado pela diferença  a - g onde g é o ângulo entre as isotermas e o eixo-x.


 
(d) A equação de vorticidade (ou balanço de vorticidade) é dada por:
z/t  = - uz/x - vz/y - bv - (z+f)d,
onde b é parâmetro do Rossby e demais símbolos têm os significados costumeiras.


(e) A equação do balanço de água integrada por um dado período Dt, pode ser escrita por:
P - E = òCH dt + wi – wf,                                                                                        (4)
onde P é precipitação, E é evaporação, òCH dt é a convergência do fluxo de umidade integrada sobre o intervalo de tempo Dt, wi é a água precipitável inicial e wf é água precipitável final. Nota-se que quando a evaporação é desprezível e não havendo mudanças significativas  nos valores da água precipitável no inicio e no final, a chuva é inteiramente dada pela convergência de umidade.

(f) A equação termodinâmica usada para obter o balanço de calor nos casos de friagens é dada por:

T/t = J/Cp - (uT/x + vT/y) + Spw,                                                                 (5)      

onde

Sp = - (T/q)(¶q/p) = sp/R

é o parâmetro de estabilidade e J é a taxa de aquecimento diabático. Como não é possível calcular J, este é obtido indiretamente como resíduo entre os demais termos da equação.


5.2.3 Resultados Esperados
Os resultados esperados desta parte do trabalho são:
» Aprofundar os conhecimentos dos mecanismos da escala sinótica associados aos episódios de chuvas fortes extremos sobre a região da Serra do Mar.

» Melhorar o entendimento da evolução no período de 5 dias que antecede um evento extremo de precipitação.

» Obter um modelo conceitual da evolução e manutenção dos episódios de chuva forte extrema.

» Fornecer subsídios para meteorologistas para melhorar a compreensão e conseqüentemente a previsão destes eventos.