Acoplamento de um Modelo Atmosférico a um Modelo Hidrológico para Previsão de Riscos em Pequenas Bacias
A ocorrência de chuvas intensas, enxurradas e enchentes na Serra do Mar no Estado de São Paulo tem um grande impacto nas atividades sócio-econômicas dessa região. Previsões do tempo confiáveis são necessárias para amenizar os desastres causados por esses eventos severos. A previsão de chuvas intensas pode ser fornecida por um modelo atmosférico de alta resolução, enquanto que a previsão de vazão pode ser fornecida por um modelo hidrológico. A previsão de enchentes baseada em métodos numéricos pode ser obtida a partir do acoplamento de um modelo atmosférico com um modelo hidrológico. Modelos hidrológicos podem tratar de grandes bacias ou de pequenas bacias. Para previsão de enchentes, o tratamento da declividade do terreno é crucial, neste caso são utilizados modelos hidrológicos adequados para pequenas bacias. Neste projeto propõe-se o emprego do modelo TOPOG (Vertessy et al., 1994), o qual permite além da previsão de enchentes, prever riscos de desencadeamento de processos erosivos e deslizamentos de terra em encostas. Modelos atmosféricos possuem esquemas de representação dos processos hidrológicos, entretanto, são bastante simplificados e os tornam inadequados para o tratamento de riscos.

O principal desafio encontrado no acoplamento de modelos hidrológicos e atmosféricos é a solução de problemas de incompatibilidade de unidades, de escalas temporais e espaciais (Yu et al., 1999). Enquanto os modelos atmosféricos operam desde dezenas a centenas de quilômetros, os modelos hidrológicos distribuídos são executados a escalas muito menores, desde alguns metros a centenas de metros.

Muitos trabalhos vêm sendo desenvolvidos no sentido de promover o acoplamento desses modelos e com isso possibilitar o alerta de catástrofes naturais bem como o gerenciamento de recursos hídricos. Smith et al. (1994) demonstrou a viabilidade de usar um modelo hidrológico para a determinação da umidade do solo como condição inicial para modelos meteorológicos de mesoescala.

O projeto RAPHAEL (Runoff and atmospheric processes for flood hazard forecasting and control) teve por objetivo de investigar a previsão de enchentes através do acoplamento de um modelo de previsão do tempo de alta resolução com modelo hidrológico distribuído numa região de freqüentes ocorrências de enchentes.

Uma outra aplicação do acoplamento de modelos atmosféricos e hidrológicos é a utilização dos resultados do modelo hidrológico como uma nova ferramenta para validar e interpretar as previsões dos modelos atmosféricos. A avaliação de previsões meteorológicas torna-se complicada em simulações de altas resoluções devido à falta de uma rede densa de estações observacionais. Seria economicamente inviável ter uma rede suficientemente densa para avaliar de forma acurada e para compreender as previsões atmosféricas de alta resolução. O desenvolvimento de uma rede de radares pode ser uma alternativa, mas os radares sozinhos não conseguem resolver todos os problemas de observação, existe a limitação na estimativa das chuvas em regiões montanhosas ou com muitos obstáculos. A natureza discreta das observações de precipitação associada com a alta variabilidade dos processos físicos dificulta a utilização da variável de precipitação para a validação de modelos. Nesse aspecto que os modelos hidrológicos entram como uma ferramenta complementar muito importante. A comparação entre vazões previstas e observadas permite avaliar a acurácia do modelo atmosférico em prever a quantidade de água precipitada em uma determinada região, pois algumas variações temporais e espaciais são filtradas em altas resoluções. Foi verificado para a maioria das bacias estudadas que o aumento das resoluções nas simulações melhorou sistematicamente as quantidades de água previstas em termos de vazões. Foi levantada ainda nesse trabalho, a dúvida de que o acoplamento tenha um bom desempenho também em regiões de topografia mais complexa.

No sentido de promover a redução dos dados previstos pelo modelo atmosférico para escalas menores, duas diferentes metodologias podem ser empregadas: introdução de esquemas de parametrização de sub-grade nos modelos atmosféricos, e modificação das saídas desses modelos, que podem ser feitas utilizando-se métodos puramente estatísticos ou mesclando propriedades estatísticas com processos físicos.

A utilização de modelos matemáticos de previsão de áreas susceptíveis a deslizamentos, depende, diretamente, de uma melhor compreensão dos diferentes mecanismos e fatores condicionantes envolvidos, o que requer ensaios de campo e o monitoramento desses processos, principalmente no que se refere à caracterização da dinâmica hidrológica superficial e subsuperficial das encostas (Montgomery et al. 1997). Dessa forma, o monitoramento dos processos hidrológicos representa etapa fundamental visando a compreensão dos mecanismos capazes de provocar as rupturas nas encostas permitindo, em última análise, o desenvolvimento e o uso efetivos de modelos de previsão de deslizamento de encostas.

Nos estudos voltados para a caracterização do papel da hidrologia dos solos no desencadeamento dos processos erosivos, o monitoramento de campo, objetiva a mensuração da variação temporal do potencial mátrico (Van Genuchten e Derijke, 1989) e da umidade do solo, para diferentes profundidades e posições nas encostas (Carneiro e Conciani, 1997), já que o conhecimento de tais fenômenos é necessário, quando se pretende caracterizar a magnitude e o sentido do fluxo d’água no interior do solo e também, empregar modelos matemáticos de fluxo. Além do monitoramento, torna-se necessária a realização de trabalhos de laboratório a fim de caracterizar importantes propriedades dos solos da bacia. Dentre as propriedades hidráulicas dos solos, destaca-se a condutividade hidráulica, tanto saturada quanto não saturada, a qual é influenciada por características locais do ambiente. Para que a caracterização dessa propriedade seja mais representativa, torna-se fundamental a sua mensuração no campo, que pode ser realizada com o emprego do permeâmetro Guelph. Dessa forma, pretende-se combinar o mapeamento e o monitoramento de campo com o uso de modelos matemáticos, visando uma previsão eficiente da localização dos deslizamentos, tanto no espaço quanto no tempo.

O acoplamento de modelos atmosféricos e hidrológicos tem mostrado ser uma ferramenta importante nas previsões de enchentes. Nesse acoplamento, o modelo hidrológico pode servir também como um identificador de erros e um validador do modelo atmosférico.

O comportamento específico dos modelos atmosféricos e hidrológicos para uma determinada região reforça a necessidade de testarmos com as nossas ferramentas, a aplicação desses modelos na região da Serra do Mar.

Este trabalho se apresenta como um precursor para o desenvolvimento de futuros acoplamentos que não sejam apenas unidirecionais. Muitos centros de pesquisas internacionais que vêm trabalhando com modelos acoplados em apenas uma direção, apresentam como metas futuras, o acoplamento multidirecional (Benoit et al., 2000; Kite e Haberlandt, 1999; Yu et al., 1999).


3.1 Objetivos
O acoplamento de um modelo atmosférico de alta resolução com um modelo hidrológico distribuído aplicado à região da Serra do Mar no Estado de São Paulo é o principal objetivo deste trabalho, no sentido de promover uma ferramenta de alerta de eventos severos que possam vir a trazer prejuízos à população da região.

3.2 Área de Estudo
A possibilidade de deslizamentos tem aumentado devido ao contínuo desmatamento. Foi aprovado na Câmara dos Deputados, no dia 03/12/2003, o Projeto de Lei que regulariza a utilização e preservação da Mata Atlântica, vegetação presente da Serra do Mar paulista. A preservação da Mata Atlântica é de suma importância na contenção dos avanços dos desastres naturais que vêm ocorrendo na região.

3.3 Modelo Hidrológico
O modelo atmosférico a ser utilizado nas simulações de eventos extremos na Serra do mar é o Eta (Black, 1994; Janjic, 1994). Esse modelo está descrito no subprojeto SP.1 “Modelagem Atmosférica em Alta Resolução de Eventos Extremos na Serra do Mar”. Este modelo atmosférico será acoplado ao modelo hidrológico.

O modelo TOPOG é o modelo hidrológico distribuído a ser utilizado neste trabalho. Esse modelo foi desenvolvido em 1987 por um grande grupo de cientistas do CSIRO Land and Water e o Cooperative Research Centre for Catchment Hydrology da Austrália. O modelo TOPOG pode ser referenciado como um modelo hidrológico determinístico, pois o balanço de água utilizado pelo modelo é baseado em fundamentações físicas para explicar como o sistema hidrológico funciona, e distribuído, pois o modelo pode levar em consideração a variabilidade espacial dos parâmetros de entrada, tais como os tipos de solo e vegetação.

Uma das vantagens da modelagem através do TOPOG é não demandar tantos dados quanto outros modelos de mesma classe, ao mesmo tempo em que o modelo provou ser extremamente versátil em suas aplicações, integrando aspectos hidrológicos, geomorfológicos, pedológicos e ecológicos do ecossistema em um contexto espacial. Assim, modelo permite a geração de curvas de nível detalhadas e a elaboração da divisão da bacia em segmentos de diferentes formas e tamanhos de acordo com o padrão do relevo da área. Tais segmentos são referidos como “elementos”, tratando-se da unidade com a qual é possível atribuir a variabilidade de tipo de solo, vegetação e clima (i.e. radiação). Os limites da bacia são estabelecidos e divisores de água internos, se existirem, são calculados. Uma segmentação primária da área será realizada, estabelecendo-se uma rede de cabeceiras e cursos d’água. A seguir, será feita uma segmentação secundária, a qual consiste em cálculos das trajetórias do fluxo d’água, utilizando-se também de dados de declividade e face de exposição ao sol. As curvas de nível detalhadas e a rede de trajetórias definem cada elemento da bacia.

É possível simular com esse modelo uma série de problemas (Short et al., 1990; Vertessy et al., 1990; Dietrich et al., 1992 e Hatton et al., 1992) tais como alagamentos, escoamentos superficiais decorrentes de tempestades, riscos de deslizamentos de terra e de erosão, bem como modelar o crescimento da vegetação e seus impactos no balanço de água.

3.4 Plano de Trabalho
A primeira etapa do trabalho consiste em executar o modelo atmosférico Eta para as resoluções de 10, 5 e 1 km. A estabilidade do modelo deverá ser verificada, bem como a parametrização dos processos convectivos.

Técnicas de redução dos resultados para grades menores, com o objetivo de diminuir a demanda computacional, serão utilizadas na grade de 10 km e os resultados serão comparados com as execuções das grades de 5 e 1 km.

Os resultados do modelo atmosférico serão então comparados com dados observados. As variáveis prognósticas a serem avaliadas serão a temperatura do ar, umidade, pressão atmosférica, precipitação, entre outras. Caso não exista muita discrepância entre os dados previstos e observados, o modelo será validado.

A previsão de áreas instáveis na paisagem será investigada também através da utilização do modelo TOPOG, o qual privilegia o controle topográfico dos deslizamentos nas encostas. Este modelo será aplicado em uma bacia na Serra do Mar e a sua eficiência será avaliada através da comparação, dentro de um SIG, entre as áreas previstas como instáveis pelo modelo e aquelas onde efetivamente ocorreram deslizamentos. Deverá ser feita a reconstituição histórica dos desastres, através de levantamentos fotográficos e climáticos. Para isso, será consultado o banco de dados gerado pelo plano diretor da prefeitura local (fotografias aéreas, mapeamento em escala 1:10000).

Em seguida, será feito o acoplamento unidirecional entre o modelo atmosférico e o modelo hidrológico, ou seja, os dados de previsão do modelo atmosférico serão utilizados como entrada do modelo hidrológico. Serão feitas execuções para eventos extremos conhecidos ocorridos no passado para verificar a capacidade dos modelos em simular uma resposta compatível com os danos causados por esses eventos. As respostas do modelo hidrológico servirão como uma ferramenta de análise e identificação de problemas existentes no modelo atmosférico. Com a identificação desses eventos ocorridos no passado, teremos então uma ferramenta de previsão de tempestades intensas, enchentes, enxurradas e deslizamentos.

As precipitações e vazões observadas num mesmo período serão utilizadas para a calibração do Modelo Hidrológico, procurando-se alcançar uma correlação acima de 0,80 entre as vazões previstas pelo modelo e as observadas.

O TOPOG simulará um período de anos a ser escolhido de acordo com a disponibilidade de dados de chuva e de vazão (para possibilitar a comparação) utilizando a precipitação obtida no modelo de mesoescala Eta. Esta precipitação será corrigida utilizando-se a distribuição de probabilidade acumulada da precipitação observada e prevista. A correlação entre os totais observados e os totais de precipitação previstos pelo modelo Eta será analisada e as causas físicas da existência das diferenças entre os valores observados e previstos serão buscadas.

Os resultados encontrados a partir do modelo atmosférico serão comparados aos dados medidos em estações meteorológicas. As técnicas de downscaling aplicadas à escala de 10 km terão seus resultados comparados às execuções de 5 e 1 km.

Para o modelo hidrológico, as comparações de vazões observadas e previstas serão a principal ferramenta de validação desse modelo.

Vários índices estatísticos poderão ser empregados no cálculo da avaliação das variáveis prognósticas contínuas (temperatura, umidade, pressão atmosférica), tais como, erro médio (bias), raiz do erro quadrático médio, coeficiente de determinação e regressão linear.

A variável prognóstica de precipitação poderá ser avaliada de forma discreta ou categorial. Índice de acerto com ou sem chuva, probabilidade de detecção, índice de acerto e índice de alarme falso são alguns dos índices estatísticos que poderão ser utilizados para a avaliação do sistema acoplado (Smaha, 2003).

Os resultados obtidos neste subprojeto poderão ser comparados com os resultados obtidos no SP.5 “Desenvolvimento de um Sistema Semi-Automático de Previsões e Informações Hidrometeorológicas e Ambientais em Apoio ao Gerenciamento de Riscos de Desastres Naturais na Serra do Mar”.


3.5 Materiais e Métodos
» Base de dados das Estações telemétricas de Coleta de Dados meteorológicas e hidrológicas monitoradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e pelo Centro de Previsões de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC); e totais de chuva desde 1994 do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE).

» Dados a serem coletados descritos no subprojeto SP.6 “Impacto das Informações de Estações Telemétricas de Coleta de Dados Geotécnicos e Hidrometeorológicos na Previsão Numérica para a Serra do Mar”.

» Recursos técnicos e computacionais disponíveis nos laboratórios do CPTEC.


3.6 Instrumentação
1) Medidor de vazões no córrego em seções de interesse;

2) Medidores de chuvas ao longo do tempo (pluviógrafos em número adequado de acordo com a área da bacia);

3) Permeâmetro Guelph para medir in situ a condutividade saturada e não saturada;

4) Fuga da água subterrânea: medir-se-á o gradiente de água subterrânea através de quatro sensores Orphimedes com gravação automática de dados (loggers) no vale e um nas encostas;

5) Determinação da permeabilidade do solo no vale através de medidas em profundidade.

6) Uma série de piezômetros será instalada ao longo do vale a fim de verificar as flutuações do lençol freático.

7) O transporte de sedimentos será medido como auxílio de amostradores automáticos durante a ocorrência de chuvas intensas, dada a possibilidade de as concentrações se alterem significativamente nessas condições.